Reportagem Correio Popular 11-09-2008
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Cidades
Projeto Cidadão - Voluntários fazem sábado valer ouro
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Amigos dedicam fins de semana a ajudar jovens e famílias da região do Jardim Nilópolis com esporte, arte e educação
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Ana Beatriz Zogaib
ESPECIAL PARA A AGÊNCIA ANHANGÜERA
ana.zogaib@rac.com.br
Todo sábado é a mesma história. Enquanto uns dormem até mais tarde para recuperar a energia perdida na semana de trabalho, um grupo de pessoas prefere acordar cedo e ir até o Jardim Nilópolis, em Campinas, para colaborar com o futuro de crianças, adolescentes e adultos carentes. Disposição não falta para os voluntários, que atuam das oito às 11 horas da manhã. Aulas de apoio escolar, esporte e oficinas de arte ocupam parte do fim de semana dos pequenos e das famílias, e enche o coração de quem ajuda. “É a vontade que a gente tem de ver a mudança da sociedade e dar condições para que ela aconteça”, diz Márcia Monteiro, que ensina português para a garotada.
A professora mora no Jardim do Trevo, mas garante que a distância não é problema, pois o objetivo é trabalhar para melhorar a vida dos que precisam. Segundo ela, a necessidade existe e está à vista para quem quiser enxergá-la. “Vejo estudantes de Ensino Médio que não sabem escrever com lógica e muitos de 5º e 6º anos que nem sabem escrever”, conta. Para mudar essa realidade, Márcia abusa de exercícios de leitura, interpretação de texto e redação nas aulas de reforço, além de tirar dúvidas trazidas pelos alunos, cuja única obrigação para participar das ações é estar matriculado em alguma instituição de ensino.
O Projeto Meninos e Meninas de Ouro tem a meta de proporcionar atividades complementares à escola. “Queremos tirar a criançada da marginalidade”, afirma o engenheiro químico Marco Oreste Pagliusi, presidente da Associação Caliel Mendonça (Acalme), criada em julho de 2006 em função do trabalho social. Segundo o profissional, a arte e o esporte são atrativos que estimulam o convívio e o desenvolvimento, mas a educação é fundamental para afastar os jovens da rua, razão pela qual a regra é clara: quem não comparece ao apoio educacional, não brinca.
As aulas são de português, matemática e conhecimentos gerais, e as turmas são dividas de acordo com a idade e escolaridade dos participantes. São cerca de 80 a 100 alunos de 2 a 18 anos, conforme o mês. Muitos moram no Jardim Nilópolis, outros nos bairros próximos, como Jardim Santana, Gênesis, Cafezinho e Moscou. Além de estudar e jogar bola, a garotada se diverte nas atividades de arte-educação, cujo trabalho é feito com argila ou pintura, e nas oficinas de artesanato, onde aprendem técnicas de decupagem ou como fazer bijuterias, por exemplo.
As mulheres da comunidade também participam de aulas de artesanato que, além de abrirem as portas para uma futura geração de renda, funcionam como terapia, conta a designer Edna de Souza Pagliusi, responsável pelo aprendizado. “A gente conversa muito, quero trazer integração, orientação, conforto psicológico e espiritual”, diz.
Maria do Carmo Pereira, de 53 anos, que conheceu a iniciativa por causa do neto apaixonado pela escolinha de futebol, já participou da aula de matemática e hoje é aluna assídua do artesanato. A dona de casa conta que não sabia ler e escrever, mas que encontrou apoio dos voluntários para voltar à escola. “Eles passam muita coisa boa para a gente”, diz ela, que estuda à noite e já encontrou o caminho das letras.
Para Elenilza Rodrigues Dias, a Acalme mostrou mais uma possibilidade de trabalho. Ela aprendeu a criar tapetes de retalho sob orientação da professora e, além de produzi-los em casa para vender, já dá aulas para sete alunos. A auxiliar de limpeza conta que leva os três filhos para as aulas de reforço escolar e que os resultados também são positivos para eles, que não faltam nenhum sábado. “A minha filha Rafaela, de 8 anos, estava com dificuldade para ler e fazer conta, mas já melhorou bastante”, afirma.
Ildete Ferreira Bonfim Bezerra também comemora a possibilidade dela e da filha poderem contar com o projeto. Ildete vende tapetes artesanais, mas acredita que ganhou mais do que uma chance de complementar a renda, já que os encontros são uma diversão para ela e uma ocupação para a filha. “Eu acho bom porque ela está aprendendo alguma coisa, bem melhor do que ficar na rua”, diz. Aline Bonfim Pereira, de 14 anos, aprendeu inclusive que pode colaborar e há seis meses é voluntária, cuidando de crianças que têm entre 3 e 6 anos de idade. “Me sinto feliz em ajudar, dou exercício de recorte, desenho e brincadeiras”, conta.
Aulas de futebol deram pontapé nas ações sociais
Há cerca de dez anos, o idealista Caliel Mendonça oferecia aulas de futebol para jovens do Jardim Nilópolis, com a vontade de transformar a realidade daquela parcela da sociedade. Era o início do amplo trabalho realizado hoje, chamado de Meninos e Meninas de Ouro. O nome do projeto foi o próprio fundador que escolheu pouco antes de falecer, dois anos atrás, quando contou ao colega Marco Oreste Pagliusi que havia sonhado com a oficialização da entidade dessa forma. Pagliusi assim o fez.
Minimizar a vulnerabilidade social de crianças e adolescentes de baixa renda continua sendo o objetivo dos voluntários, que resolveram dar continuidade ao projeto e ampliá-lo cada vez mais. Além do esporte, do apoio escolar e das oficinas para filhos e mães, a iniciativa mantém o programa Cestas de Natal, no qual distribui 120 kits com alimentos para cerca de 450 pessoas e brinquedos para mais de 100 crianças necessitadas todo fim de ano.
O curso de gestantes teve início neste ano sob a responsabilidade de dois jovens estudantes da área médica, a filha do presidente da Acalme e o namorado. Nos encontros, os dois orientam as futuras mães sobre a gravidez, a saúde da mulher, os primeiros cuidados com o bebê e outros assuntos relacionados à maternidade e, ao final do curso, todas ganham um enxoval para a criança.
Todo o trabalho é realizado em espaços cedidos no Núcleo Comunitário da Criança e do Adolescente do Jardim Nilópolis, mais conhecido como Recanto da Alegria. Em parceria com o núcleo, a Acalme deve finalizar nos próximos meses o Projeto Biblioteca, que surgiu para suprir a necessidade de um local onde a comunidade possa ter acesso à informação e à cultura. Os livros, as mesas e os computadores são doados, assim como a reforma da sala só foi possível devido ao apoio de empresas e realização de bazar beneficente.
Mas, apesar das dificuldades financeiras, o grupo não hesita em fazer planos, entre eles o de conseguir um terreno para a construção de uma sede, o que também vai depender de doações. Para a voluntária Vera Varani, a vontade de ver os jovens carentes “darem certo” é o que impulsiona. “A gente sabe que não vai salvar todo mundo e às vezes acha que não dá resultados, mas então vemos o retorno”, diz.
Duplo aprendizado
Pagliusi enxerga mudanças não apenas na comunidade, mas na própria casa, pois toda a família participa do projeto. “Meus filhos têm uma visão de mundo diferente da maioria, pois estão em contato com a pobreza e sabem o que é a realidade”, diz. O caçula de Pagliusi, Kiko, de 18 anos, é o monitor das aulas de futebol e também colabora no apoio escolar. “Faço por amor às crianças, todo o sábado a gente doa, mas também recebe. É como se eu me abastecesse de energia com cada abraço, cada sorriso.” (ABZ/AAN)
SAIBA MAIS
O Projeto Meninos e Meninas de Ouro é uma iniciativa de voluntários, que oferecem à comunidade do Jardim Nilópolis e arredores aulas de reforço escolar, atividades esportivas e oficinas de arte. O grupo criou a Associação Caliel Mendonça (Acalme) há dois anos, em homenagem ao fundador e idealizador da ação, que teve início pelo futebol. Hoje, a entidade ampliou o trabalho social, mas continua com a missão de tentar contribuir para a mudança da realidade do local em que atua.
Endereço: Recanto da Alegria, Rua Joaquim Gomes Ferreira, 12, Jardim Nilópolis.
Telefone: (19) 3256-3250